Quando nos dedicamos, com o coração, à busca do
autoconhecimento, é inevitável que chegue um instante em que algumas mentiras
que contávamos para nós mesmos passem a não funcionar mais.
Os disfarces até então utilizados para
fortalecer o nosso autoengano já não nos servem.
Inábeis com a paisagem aos poucos revelada, às
vezes ainda tentamos nos apegar a alguma coisa que possa encobrir a nossa
lucidez, embaraçados que costumamos ser com as novidades, por mais libertadoras
que sejam.
É em vão.
Impossível devolver a linha ao novelo depois que
a consciência já teceu novos caminhos.
Existem portas que se desmancham após serem
atravessadas, como sonhos que se dissolvem ao acordarmos.
Não há como retornar ao lugar onde a nossa vida
dormia antes de cruzá-las.
Da estreiteza à expansão.
Da semente à flor.
Do casulo às asas, ensinam as borboletas. Vamos combinar que muitas vezes não há segredo algum, inimigo
algum, interrogação alguma, nenhuma entidade obsessora além da nossa
auto sabotagem. A gente sabe que esticar a corda costuma encolher o coração, mas
a gente estica. A gente sabe que nos trechos de inverno é necessário se
agasalhar, mas a gente se expõe à friagem. A gente sabe que não pode mudar
ninguém, que só podemos promover mudanças na nossa própria vida, mas a gente
age como se esquecesse completamente dessa percepção tão sincera. A gente
lembra os lugares de dor mais aguda onde já esteve e como foi difícil sair
deles, mas, diante de circunstâncias de cheiro familiar, a gente teima em não
aceitar o óbvio, em não se render ao fluxo, em não respeitar o próprio cansaço.
Eu
pensava em todas essas armadilhas enquanto caminhava na Lagoa, um dia de céu de
cara amarrada, um tiquinho de sol muito lá longe, tudo bem parecido comigo
naquela manhã. Eu me perguntei por que quando mais precisamos de nós
mesmos, geralmente mais nos faltamos. Que estranha escolha é essa que
faz a gente alimentar os abismos quando mais precisa valorizar as próprias
asas. Como conseguimos gostar tanto dos outros e tão pouco de nós. Eu me
perguntei quando, depois de tanto tempo na escola, eu realmente conseguirei
aprender, na prática, que o amor começa em casa. Por que, tantas vezes, quando
estou mais perto de mim, mais eu me afasto. Eu me perguntei se viver precisa,
de fato, ser tão trabalhoso assim ou se é a gente que complica, e muito. Como
conseguimos ser tão vulneráveis, ao mesmo tempo que tão fortes. Somos
humanos, é claro, mas ser humano é ser divino também.
Eu
não tenho muitas respostas e as que tenho são impermanentes, como os invernos,
os dias de céu de cara amarrada, os lugares de dor, os abismos todos, o bom uso
das asas, os fios desencapados, as medidas e as desmedidas. Tudo passa, o que
queremos e o que não queremos que passe, a tristeza e o alívio coabitam no
espaço desta certeza. Eu não tenho muitas respostas.O que eu tenho é fé.
A lembrança de que as perguntas mudam. Um modo de acreditar que os tiquinhos de
sol possam sorrir o suficiente para desarmar a sisudez nublada de alguns céus.
E uma vontade bonita, toda minha, de crescer.
Ana Jácomo
Ana Jácomo
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