sábado, 28 de dezembro de 2013

O banho nosso de cada dia

Por Hilda Lucas
Banho de vira-lata é aquele em que você entra de quatro, se arrastando, se sentindo destruída. Você chora alto, senta no chão, cogita se afogar. Você liga o chuveiro e tudo o que você quer é se diluir, esvaziar. Você gasta sua cota anual de água, conta todos os azulejos, sai com os olhos inchados, pele de uva passa, mas sai, e esse sair é transformador. Algo sempre muda depois de um banho de vira-lata e o mais freqüente é você se dar conta de que aquele banho lhe fez bem. Um bem simples, reconfortante, que pôs você no prumo, lhe devolveu o rumo e lhe deu força para encarar o dia, a barra de viver, as feras todas. O banho de vira-lata é aquele que você toma com “seus botões de carne e osso”, com seus fantasmas, com usa impotência, seu pânico. Nele você entra sem saídas, sem respostas e pode até sair sem soluções, mas sai estranhamente apaziguada, você sobreviveu ao banho e parte do desespero escoou pelos poros, pelo cano. No banho, a drenagem do cansaço, o conforto da limpeza, a certeza de que a vida segue lá fora, pois banho é reparação.
Por isso quando vida mandar você tomar banho, vá! Vá sem medo, mesmo que se debulhando. Confie no poder do banho. Confie na função terapêutica da rotina. Enquanto dá conta de se arrumar, se alimentar, trabalhar, dormir (mesmo que com uma ajudinha…) e tomar banho significa que você está rolando os dados. A gente tem horror à rotina e isso é uma bobagem, pois é no comezinho da rotina que a vida se organiza e as dores cicatrizam. Um dia após o outro, um banho após o outro.

O banho nesse quesito é emblemático. Tão simplesinho, tão arroz com feijão, tão generoso. Nossa dose diária de esperança e entusiasmo. O banho nosso de cada dia é uma espécie de oração, de teimosia, de pacto. Na maioria dos banhos, apenas cumprimos nossa rotina de asseio e civilidade. Mas banho que é banho é muito mais que higiene.
Quantas vezes bradamos: “Meu Deus, preciso de um banho!”, certos de que o banho nos devolverá equilíbrio e força. Tomamos banho e ficamos novos, limpinhos, recompostos. Um milagre caseiro feito de água e sabão. Uma parada, um respiro, uma trégua.

(…)
A vontade de tomar banho aflora como uma urgência, uma tábua de salvação, um remédio nas horas mais difíceis e complexas. Tomar banho depois de uma situação extrema é o primeiro indício de que a vida voltará, de uma forma ou de outra para os trilhos. O banho funciona como o primeiro sim que você diz à continuação do viver.
(…)
No banho, mais que xampus, espuma, cremes, sais, há também o choro, as marcas do amor, as secreções, o medo e a convalescença descendo redentoramente pelo ralo. No banho, a possibilidade de esquecimento, de recomeço, de entrega.No banho, nosso dilúvios, nossos redemoinhos, nosso desaguar sem fim; nossos batismos nossos segredos, nossos mergulhos.No banho, os resíduos do ontem, a troca de pele, o tempo suspenso.
Saímos de hospitais e enterros pensando em banho; tomamos banho depois de brigas, demissões e discussões. Neutralizamos o desgaste do dia, do trânsito, do trabalho com um banho bem tomado. O banho é, portanto, um hiato entre estágios, interfere no tempo vivido, limpa o corpo, desperta a consciência, nos acorda por dentro. Quantas vezes pensamos no meio da correria da vida: “Daria tudo por um banho…”. Banho é refúgio, é reset.
(…) Mas tarde você analisará no banho as rugas, a flacidez, as marcas do tempo e, depois de certo assombro, tomará seu banho com a mesma diligência amorosa de sempre. No banho, a crônica da vida.
Mas só quando você toma um banho day after, você compreende a força do banho. Banho day after é aquele do dia seguinte a uma ruptura, uma tragédia pessoal. Você sabe que depois daquilo nada será como antes. A vida não será a mesma, nem você será a mesma e, no entanto, você toma banho como se tudo continuasse como era. É incrível. Sua mãe morreu e você toma banho como fez todos os dias. Você se separou e lá está você no banho, a despeito de tudo. Você perdeu um filho, um irmão, sua melhor amiga ou descobriu que tem um tumor e, estoicamente, toma banho. O santo banho, aquele que faz você voltar a funcionar, pois, no caos, o hábito é a regra de outro para que a vida se recomponha. Nessas horas, tomar banho é comovente. E você tem certeza que a vida é pura teimosia, que continua a despeito das perdas e do reveses e no banho você está apenas afirmando: estou dentro, estou viva.
Publicado originalmente na Revista Lola Fev/13

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Destralhe-se

O texto é longo, mas vale cada frase! Já me animei a executar um novo destralhe aqui em casa!!!!! Divirtam-se! “Destralhe-se!” Faz bem à saúde mental e emocional livrar-se de tudo o que está intoxicando a vida, a casa e o trabalho… É dever de casa: o primeiro trabalho que a psicóloga e arteterapeuta Rosângela Cassimiro dá para os pacientes é arrumar o guarda-roupa, começando pelo maleiro lá em cima, “que é infernal,” um lugar para onde se empurram todas as tralhas inimagináveis da casa. Depois, ela pede que a pessoa vá descendo para as extremidades direita e esquerda até chegar ao meio do guarda-roupa. “Para arrumar tem que bagunçar,” dita ela, “tirar tudo para fora. Depois é escolher o que vai ficar, doar, vender e queimar. Tem que separar o joio do trigo, comprar caixas para deixar tudo arrumado. É preciso ‘destralhar’, pois a casa é a representação simbólica da gente mesmo.” Na casa de Rosângela, até os objetos da mãe, que já morreu têm lugar certo, uma caixa vermelha com fitas douradas. “Organizar a vida é desbloquear a área mental e, consequentemente, organizar as emoções, as perdas e fazer as despedidas internamente.” “Destralhar” é uma tendência mundial depois de tanto consumismo. Muitos programas da TV fechada, em vários canais, ensinam como organizar a casa e, consequentemente, a vida. Nada de desordem externa, que leva à desorganização interna e faz a vida virar um lixo! “Renovar rima com ‘destralhar’. E quem não quer renovar a vida? ‘Destralhar’ é liberar tudo o que impede o movimento de expressão e realização no mundo. Em qualquer aspecto da vida”, assegura o arquiteto Carlos Solano, mestre em feng shui e dos cursos da casa saudável. No livro Jogue fora 50 coisas, lançado pela Ediouro, a terapeuta norte-americana Gail Blanke garante que “quando jogamos fora a bagunça física, libertamos nossas mentes. Quando jogamos fora a bagunça mental, libertamos nossas almas”. Solano, por exemplo, aprendeu com a benzedeira e amiga dona Francisca que vida nenhuma prospera se estiver pesada e intoxicada. “E a casa também tem muitas toxinas. São elas: objetos que você não usa, roupas que não gosta nem usa há mais de um ano, coisas feias, quebradas, lascadas ou rachadas, plantas mortas ou doentes, recibos, jornais e revistas antigos, remédios vencidos, meias velhas e furadas, sapatos estragados. Ufa, que peso!”. Nem dá para encontrar nada no meio dessa bagunça, mas com o “destralhamento” “a saúde melhora, a criatividade cresce e os relacionamentos se aprimoram,” ensina. A arquiteta Adriana Gontijo se lembra do tempo em que morou num apart-hotel, sem lugar apropriado para guardar todos os objetos: “Foi uma época ruim, em que até adoeci”. ADEUS, bagunça! Arquiteta dá dicas de como fazer uma faxina geral. Escolher uma área da vida é o primeiro passo para iniciar a limpeza, de preferência numa tarde de domingo Não é tão fácil quanto parece. É preciso tempo, disponibilidade e disciplina, mas que nenhum desses três itens sirva de desculpa para continuar com a casa e a vida em desordem. Comece numa daquelas tardes vazias e longas de domingo. A gaveta do criado-mudo pode ser um bom início. É só abrir para perceber a bagunça: pilhas usadas que um dia você pensou em levar para um lugar de descarte apropriado, cartões de visita de pessoas que você nem conhece, montes de bijuterias jogadas dentro da gaveta, emboladas, arrebentadas e não usadas há tempos, algumas que você nem sabia que tinha. E as chaves do antigo apartamento, as caixas de remédio vazias, os terços herdados da mãe que já partiu, pequenas lembranças que ainda não deu para desapegar? E a lata de biscoitos da mãe com linhas, dedais e agulhas? E os relógios que estão grudados na memória afetiva? E os vidros de perfume vazios, além das amostras grátis das perfumarias? A gaveta está a ponto de estourar de tanta tralha. Ai, socorro! Se uma gaveta está assim, imagine o maleiro com coleções de jornais e revistas, guardados, mas nunca lidos ou consultados. Pelo menos a árvore de Natal já desceu de lá para ocupar lugar na sala, toda armada e decorada. Imagine a cozinha com as velhas louças, as vasilhas com as asas bambas, os garfos tortos e queimados que a ajudante esqueceu na panela quente. E a sanduicheira que não fecha mais, o liquidificador e a panela de pressão antigos, que foram substituídos por novos, mas ainda não descartados? E o vidro de alcaparras fechado e vencido há mais de um ano? E as facas sem corte que não dá mais para usar? Por que não levá-las a um amolador? Ah, Deus, onde tem o amolador de facas neste mundo moderno e descompassado? Eles ainda existem? Sem contar o escritório, com estantes que não aguentam mais de tantos livros, que espirram edições ilustradas de quando o filho ainda era criança. E olha que faz tempo. Os mais de 500 exemplares de LPs que o filho coleciona com tanto amor? E os milhares de CDs em desordem pela casa? Onde estão as capas dos de Chico, Gil, Caetano e Cazuza? É preciso coragem para sair dessa eterna bagunça, que inclui roupas e mais roupas penduradas. Algumas não dá nem para ver, outras foram compradas com a intenção de emagrecer para depois usar. E compre, compre, compre sem ter como e quando usar. A cada mudança de estação, uma desculpa para entupir o armário de roupas e sapatos novos, esses últimos agora estão debaixo da cama, porque não há mais espaço no armário. Haja consumo! Casa desintoxicada: Para ajudar na faxina da casa e fazer a vida fluir, a arquiteta Adriana Gontijo dá algumas dicas sagradas. “Quando a gente faz o ‘destralhamento’, abre espaço para viver o presente de forma mais fluida. Dá lugar para a prosperidade, fortalece o sentimento de confiança na vida.” Ela conta o caso de uma cliente que vinha fazendo uma limpeza na casa dela, mas não tinha muito tempo. Ia limpando muito devagar, nem dava para perceber os efeitos. Então, chegou um desses feriados prolongados. Decidiu que não ia viajar, mas fazer o “destralhamento” da casa. “Ficou uns três dias jogando fora apostilas de faculdade, livros de colégio, cadernos, trabalhos premiados, mas que não tinham mais sentido em sua vida atual. Separou os livros que ia doar, jogar fora ou vender. Organizou tudo. Na semana seguinte, o chefe dela propôs parceria num dos projetos da empresa. A vida da minha cliente deu uma guinada e para mim essa ascensão na carreira foi significativa. Jogando fora coisas velhas, ela deu espaço para a prosperidade profissional.” Adriana sugere também escolher uma determinada área da vida que precisa ser trabalhada, como a pessoal. “É preciso fazer uma limpeza de cartões e fotos antigas. Objetos que ganhou. Se quer prosperidade, tire tudo o que está entravando, separe o que vai dar. No lugar de antigas fotos, substitua por novas, de viagens que quer fazer. Se é um cruzeiro, ponha a foto de um navio no porta-retratos, espalhe mensagens novas pelo escritório, para renovar a vida.” No criado-mudo lotado de bugigangas, acione a área dos relacionamentos se quiser um novo amor. Tire tudo e coloque “objetos que formam um casal em cima do criado atraem relacionamentos amorosos”. Segundo ela, as pessoas não gostam de jogar objetos fora, porque acham que podem precisar um dia. “A gente não se permite, sente culpa. O ideal, portanto, é escolher um ambiente. Arranje três caixas. Para a primeira vai tudo o que você quer jogar fora, na segunda o que vai doar e na terceira, o que você não sabe o que pretende fazer. Depois, faça as seguintes perguntas: há quanto tempo não uso isso? Eu amo? Realmente, preciso disto? Se está em dúvida, coloque na caixa do não sei e questione. Se me livrar desse objeto, o meu sentimento de alívio vai ser maior do que um possível arrependimento? A questão é: se você não usa há mais de um ano, se não ama nem precisa daquilo agora, para que manter?” Ela diz que tudo tem um simbolismo. “Cada vez que você entra em casa, os objetos transmitem mensagens do casamento que não deu certo, outros objetos lembram uma época ruim. Mensagens que vão minando seu sentimento de confiança na vida. Desintoxicar a casa significa abrir espaço para o novo e a prosperidade. Viver o presente com fluidez.” ENERGIAS: Grudar no passado e ter medo do futuro leva ao apego do que não tem mais sentido na vida. E nada de desculpas de falta de tempo. Adriana sugere: “Em vez de sentar para ver TV, arrume uma gaveta. Se fizer isso todo dia durante um mês, todas estarão em ordem. Na semana que vem, você pode levantar meia hora antes para arrumar uma estante, sempre com o propósito de desbloquear energias negativas e passadas, para que o novo entre. É bom lembrar que um ambiente bagunçado gera confusão mental”. Ela dá o próprio exemplo da época em que morava num apart hotel e não tinha tempo nem espaço para organizar as revistas de arquitetura e todo o material que sua profissão exige. “Sentia cansaço físico, não tinha vontade de fazer nada, só de ficar quieta, e acabei adoecendo. Era um resfriado, nariz entupido, até que mudei para um apartamento maior e fiquei mais leve e disposta, atenta às oportunidades que a vida oferece. Além do mais, viver num ambiente organizado faz a gente se sentir bem, mais alegre e bem- humorada.” Quatro caixas e a liberdade: Ela usa a arte como ferramenta para a observação do processo de autoconhecimento. Assim que o paciente entra no consultório, a psicóloga Rosângela Cassimiro tem uma conversa e já separa o diário de bordo para cada um e passa o dever de casa. “Tento alinhavar o físico, o emocional e o mental. O melhor exercício é arrumar o guarda-roupa. Tive uma paciente que começou arrumando o armário e se empolgou tanto que resolveu reformar a casa.” A técnica de Rosângela é parecida com a de Adriana, mas inclui queimar o que não serve mais, o que traz lembranças ruins. “Peço que a pessoa arrume quatro caixas e ponha numa delas o que vai ficar, na outra o que doar, na terceira o que vender. Na quarta, o que vai ser queimado. Quando digo para queimar, as pessoas se assustam, porque ninguém está acostumado com fogo dentro, por exemplo, de apartamento. Sugiro comprar uma daquelas bacias ou baldes de metal para queimar o que precisa ser queimado. A gente deve criar o costume de ter uma pira dentro de casa, pois já temos o elemento água nas torneiras.” Como arteterapeuta, ela ensina aos pacientes como adornar caixas, que vão ficar muito bonitas nos armários. “A limpeza energética é importantíssima também. Depois que desceu com todos os objetos, que separou, é hora de limpar.” As receitas, Rosângela aprendeu com o escritor indígena Kaká Verá: “Numa garrafa Pet de dois litros, dilua duas colheres de amoníaco na água, para tirar bicho, mofo, sujeira. Passe o pano no armário todo e depois lave-o em água corrente. O segundo passo é colocar sal grosso em outra garrafa com água. Passe pelo armário, lave o pano e vá para a última etapa, que é a de diluir essência de alfazema em álcool de cereais, ponha um pouco na água, pegue um pano seco e passe. Vai ficando tão boa a limpeza que dá vontade de passar também no chão. Só depois suba com as caixas organizadas. A vida, então, começa a mudar no rumo daquilo que você deseja. Mas é preciso definir as metas junto com a limpeza e a organização”. Ela cita o caso de duas pacientes que “destralharam” a casa, firmaram num propósito e, ao fim de alguns meses, conseguiram comprar dois apartamentos, sem a ajuda de ninguém, a não ser delas mesmas. Ela avisa que o processo de organização é ininterrupto, porque a vida flui. “Depois que você começa, não consegue mais parar, porque ‘destralhar’ representa uma busca do equilíbrio interno.” Obras inacabadas precisam ter fim: Desordem externa leva à interna. É preciso repetir. O arquiteto Carlos Solano, que aprendeu muito com a benzedeira dona Francisca e com os mestres orientais do feng shui, conta que é comum para quem vive em um ambiente cheio de entulho se sentir cansado, deprimido e desanimado. “Há fios invisíveis que nos ligam a tudo aquilo que possuímos.” Ele aponta também possíveis efeitos do acúmulo de bagunça, como sentir-se desorganizado, fracassado, limitado, apegado ao passado e também o aumento de peso. No porão e no sotão, as tralhas viram sobrecarga. Na entrada, restringem o fluxo da vida. Empilhadas no chão, nos puxam para baixo. Acima de nós, provocam dores de cabeça. Sob a cama, poluem o sono.” Ele sugere fazer perguntas úteis na hora de “destralhar-se”: “Por que estou guardando isso? Será que tem a ver comigo hoje? O que vou sentir ao liberar isso? Depois vá fazendo pilhas separadas para doar ou para jogar fora. E para ‘destralhar’ mais ainda livre-se de barulhos, das luzes fortes, das cores berrantes, dos odores químicos, dos revestimentos sintéticos. Libere mágoas, pare de fumar, diminua o uso da carne e termine projetos inacabados”. Citando a sabedoria sagrada, Solano diz: ‘“Se deixas sair o que está em ti, o que deixas sair te salvará. Se não deixas sair o que está em ti, o que não deixas sair te destruirá’, arremata o mestre Jesus, no evangelho de Tomé”. O arquiteto também tira da sabedoria oriental a frase: “Acumular nos dá a sensação de permanência, apesar de a vida ser impermanente. O Ocidente resiste a essa ideia e, assim, perde contato com o sagrado instante presente”