sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Persona

Impressionante o livro que estou lendo, com crônicas de Clarice Lispector e apresentação de 'ilustres" convidados: Clarice na cabeceira. Não o levo para cama. Não combina com Clarice: ela tira o sono. A cada página, uma surpresa, uma dúvida, um tapa na cara, seja da escritora que se faz minha predileta da hora, seja dos que ousam comentá-la - ou analisá-la.
O texto estudado falava de máscaras. E, entrego-me: tenho - uso, muitas. Minha vida é um carnaval de Veneza. Acho que só quem tem coragem de assumir deveria usá-las, mas todos temos. A verdade nesse palco maluco não se faz necessária. 
Tenho a máscara de boa filha, que me impede de dizer tudo o que penso e faço. A de boa mãe, que me impede de mostrar a vida  como ela é, na real, e de mim como sou, na real - porque a verdade nem sempre ajuda ou resolve. A de companheira que deixei de usar já faz um bom tempo e nem assim posso jogar fora, pois serve para me lembrar do que não quero mais ser - ou quem sabe na espera de uma nova a ser , de novo, experimentada como mereço. Como quero. Como vou encontrar.
Minha gaveta está cheia até a boca. Todos as cores e desenhos, da bela e da fera.Tenho a máscara de boa profissional , a que queria mais de mim - e tão pouco dos outros. E nesse campo já são tantas... A de interessada estudante, calando-me diante do medo de errar e tentando entender o que me vem. A de eterna estudiosa, na ânsia de achar respostas nos tantos textos e autores que faço de conta que entendo. A de boa amiga, que tenta compreender tudo, aberta que sou ao mundo,  e precisa aprender a escutar mais- e esperar menos. A de amar, essa que estou montando ainda , colorindo aos poucos  ( por não sabê-la ou por medo de errar) e que me ainda me atrapalho - porque mostra, ainda, muito do que sou. Talvez mais do que devia. E nem sempre, em matéria de amor - ou de tudo- o que vale é a grande verdade, a nua e crua: o gosto pode ser amargo... Acho que preciso aprender  a temperar...
São tantas as máscaras que já me acostumei. Lido bem com elas. Sou muitas e elas me acompanham. Visto-as sem pudor. Escondo-me de bom grado. É mais fácil. Uso-as, todas, uma de cada vez ou muitas juntas,  com maestria,  na peça da vida, meu palco, seja qual for a plateia. Erudita ou plebeia. A única que não tiro é a de me ser. A única que me mostra como eu realmente sou, por dentro e só para mim,  no escuro de meu avesso, poço de defeitos contra tantas tentativas de acerto. A peça é entraves e levantes. Muito mais comédia que drama. E nem espero mais aplausos: nem sempre são de verdade. Os espectadores também usam máscaras...
E será assim , esse troca-troca, até que a morte nos separe. Até que a vida me tire o que sou. E que me enterrem nua. Crua. Pó de me ser. Cara limpa, sem me esconder.

" Sei que a mudez, se não diz nada, pelo menos não mente,
enquanto as palavras dizem o que não quero dizer."
Clarice Lispector, em 'Persona

Joyce Diehl

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