quarta-feira, 10 de março de 2010

Como se desfazer de pessoas difíceis


Eu acredito que tenho muita autoridade para escrever esta reflexão, porque eu mesmo fui uma pessoa difícil, ainda que só depois de muitos anos tenha me dado conta disto.
Eu pensava que os outros eram os difíceis, e só quando entendi isto que vou compartilhar melhorei substancialmente minhas relações, aprendendo a desfrutá-las muito mais.
Uma vez, enquanto me queixava a respeito de uma pessoa próxima com uma amiga, com quem aprendi muito, ela me perguntou se eu não agia da mesma forma que estava criticando em meu parente. Fiquei pensando e me dei conta que eu fazia exatamente o mesmo ou pior do que criticavanele.
- Vê?, disse minha amiga, tudo o que te incomoda em alguém é algo que tu fazes ou fizeste contigo ou com outros e que tu não queres reconhecer.
Se julgar alguém como intolerante, talvez esteja sendo intolerante ao julgar essa pessoa; se me incomodo porque penso que alguém é agressivo, posso estar sendo agressivo em meu julgamento; é mais fácil ver no outro que aceitar em mim.
Quando no trânsito ou em uma fila me irrito porque a pessoa da frente não anda tão rápido como espero que faça e a chamo na minha mente de insensível ou sem consideração, eu estou sendo sem consideração ou insensível em meu julgamento dessa pessoa.
Se me engano e me chamo de estúpido ou idiota mentalmente, estou sendo intolerante comigo e, depois, poderá ser mais fácil tachar os outros de intolerantes ou agressivos sem reconhecer o que, com frequência, faço comigo.
Encontro-me acusando meus filhos, meus pais, meu cônjuge ou amigos de não me escutarem, e falo com raiva ou, às vezes, apenas penso. Repito mil vezes o que quero dizer, reprovando-os, porque não me entendem a mim ou as minhas necessidades, quando escutar é abrir-se ao que o outro quer comunicar, ao que necessita; logo sou eu quem estou obscurecendo, com meus lamentos, as vozes dos que me cercam, para depois queixar-me de que não me escutam.
Um dia conversei com uma senhora de 70 anos, inteligente e muito vivaz, que me contou como sua mãe a tinha desvalorizado e maltratado quando ela era criança. E recordava como se fosse hoje, dizia ela, as palavras e os detalhes das agressões ocorridas 60 anos atrás. Apesar de sua mãe ter morrido há 30 anos, esta senhora continuava repetindo essas cenas dentro de si, com raiva e detalhes, como se precisasse se assegurar de reviver em seu presente a dor de seu passado.
Ela estava sendo menos compassiva e mais cruel com ela mesma do que as reprovações que dizia ter recebido de sua mãe.
Eu fiz o mesmo! Talvez, ao repetir uma vez e outra vez a cena, queira castigar o outro ou repassar alternativas do que poderia ter sido, mas de qualquer forma, ao fazer isso com meus pensamentos e sentimentos causo mais dor para mim do que o outro me gerou, com suas palavras ou seus atos, e perco nesse instante a possibilidade de cuidar mais dos meus pensamentos.
Aprendi a me tratar a partir de meus pensamentos e emoções como quero que me tratem os demais.
Que bem que me faz tratar-me com mais gentileza! Não me refiro a não ter julgamentos de valor; eu posso opinar que não compartilho algo que outra pessoa fez ou pensar que eu faria diferente. O que torna difícil e doloroso meu relacionamento é quando me apego a esse passado e a esses julgamentos carregados com emoções negativas. E por mais razões lógicas que me dê, eu estou criando com isso pensamentos de dor e sombras em mim e nos que me rodeiam.
Eu sempre recebo o que estou dando aos demais: se eu sinto raiva, desconfiança, ou compreensão e gentileza pelo outro, eu sinto primeiro e mais intensamente essas emoções. Caso eu veja alguém como um monstro, sou eu quem está criando e sofrendo o monstro em minha mente; estou mantendo o monstro vivo em meus pensamentos.
Finalmente: na realidade nós não nos relacionamos com os demais, mas com a ideia ou o julgamento que temos em nossa mente dessas pessoas.
Se me aproximo de alguém pensando que essa pessoa é agressiva, ou fofoqueira, ou egoísta, estarei prevenido e será com essa parte da pessoa que me relacionarei mais vezes. Descobri seres maravilhosos, que durante anos estiveram a meu lado e que não me permiti desfrutar, senão muito tarde, porque valorizei mais os meus julgamentos e as minhas prevenções do que me permiti encontrar, valorizar e desfrutar os tesouros que a vida, através deles, havia colocado para mim.
Então eu me propus considerar cada pessoa que tenho a meu lado como meu mestre, que está ali para me ajudar a ser mais livre e feliz. Não para me fazer feliz, porque ser feliz é responsabilidade minha.
Uma pessoa difícil, uma pessoa que me cria dificuldades, está fazendo um bom trabalho para mim: ajuda-me a refletir-me, a me ver nela; leva-me, talvez, a buscar como superar essa dor que sinto ao ligar-me a ela nessa emoção. E como sei que não posso mudar ninguém, e essa relação me causa dor, para sair dessa dor busco outro nível de paz mais profunda dentro de mim para que, na próxima vez, quando aparecerem pessoas ou situações como essa, tenha aprendido a superá-la. E quanto maiores e profundas sejam as dores que superei, maior será minha liberdade e minha paz interior.
Que liberdade e que paz eu senti quando entendi que meu pai alcoólatra, abusivo e irresponsável, não veio para a minha vida para me fazer sofrer, mas para me mostrar como, com seu sofrimento, eu poderia aprender a evitar o meu. A raiva ou as atitudes dele que me trouxeram dor, me conectaram com a minha própria dor. Mas entendi que aquela dor que eu sentia por instantes, ele a vivenciou ainda mais profundamente, durante toda sua vida. E morreu só e sem sair dela.
Sei que aqueles que me julgam ou me criticam estão me dizendo algo que eu digo a mim mesmo ou que faço. Mesmo que às vezes o façam de uma forma rude, esses mestres estão me ajudando a encontrar o muro seguinte que devo superar para a minha paz.
É bom recordar quando eu era aquele ser obscuro e difícil que tão facilmente julgava ou via nos outros.
Com frequência lembro como cometi erros por não saber como agir melhor naqueles momentos de minha vida. Isto me ajuda a ter mais compaixão comigo e com os demais. Não se trata de não me cuidar, ou de salvar alguém, ou de tirá-lo de onde está, porque esse é seu próprio trabalho, que cada um fará em seu próprio momento. O meu é me conectar com o melhor de mim, não para ensinar alguém ou ser melhor, porque isso é arrogância, mas para colocar o meu foco em ver, em encontrar e desfrutar a parte maravilhosa de cada pessoa, para ver o céu através da tormenta. E se ajo assim com o outro, certamente estarei agindo assim primeiramente comigo.
Sempre recordo em minha vida como as pessoas mais duras, agressivas ou perversas me ajudaram, cedo ou tarde, a ser alguém mais livre e mais feliz. E com essa experiência ajudei outros a serem mais livres e mais felizes.

Hoje sou grato a todos esses mestres que me ajudaram a encontrar e a desfrutar o melhor de mim.
Carlos Devis

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