O estudo do sentimento de egoísmo constitui elemento fundamental no entendimento de nossas necessidades espirituais. Significa estudar nossa própria história evolutiva. A sutil diferença entre pensar excessivamente em si e pensar em si com benevolência pode determinar a natureza de todos os sentimentos humanos. O excesso de interesse por si mesmo é um ciclo de ilusões que se repete sustentando o auto-desamor em milênios de perturbação. A benevolência é a bondade efetiva que caminha de braços dados com a edificação da paz interior.
Na fieira do tempo o egoísmo sofreu mutações infinitas que compõem a versatilidade de toda a estrutura sentimental do Ser. O abuso desses germens de luz tem constituído entrave ao longo dos tempos. A paixão – ausência de domínio sob gerência da vontade – ensejou reflexos perniciosos, cujas raízes encontram-se no egocentrismo – o estado mental de fechamento nas nossas próprias criações.
Nessa linha de evolução, o instinto de conservação desenvolveu a posse como sinônimo de proteção, vindo a constituir o núcleo da tormenta humana.
Alicerçados na necessidade apaixonada de proteção material, enlouquecemos através da posse e a conduta arrogante ensejou-nos a concretização dessa atitude de egoísmo.
O princípio que gera a arrogância foi colocado no homem para o bem. É a ânsia de crescer e realizar-se. O impulso para progredir. O instinto de conservação que prevê a proteção, a defesa. Tais princípios são os fatores de motivação para a coragem, a ousadia, o encanto com os desafios. Graças a eles surgem os líderes, o idealismo e as grandes realizações inspiradas em visões ampliadas do futuro. O excesso de tudo isso, no entanto, criou a paixão. A paixão gerou o vício. O vício patrocinou o desequilíbrio.
Comparemos o egoísmo como sendo o vírus e a arrogância a doença, seus efeitos nocivos e destruidores.
No sentido espiritual podemos inferir vários conceitos para o sentimento de arrogar. Vejamos alguns: exacerbada estima a si mesmo. Supervalorização de si, autoconceito super dimensionado. Desejo compulsivo de se impor aos demais.
O egoísmo é o sentimento básico. Arrogância é a atitude íntima derivada desse alicerce de sensações nascidas no coração ocupado, exclusivamente, com seu ego. Uma compulsiva necessidade de ser o primeiro, o melhor, manifestada através de um cortejo de pensamentos, emoções, sensações e condutas que determinam o raio espiritual no qual a criatura transita.
Rigidez, competição, imprudência, prepotência, são as ações mais perceptíveis em decorrência do ato de arrogar que estruturam expressiva maioria dos estados psicológicos e emocionais do ser. A partir desse estado orgulhoso de ser, podemos perceber um quadro mental de rígida auto-suficiência, do qual nascem as ilusões e os equívocos da caminhada humana, arrojando-nos aos despenhadeiros da insanidade aceitável e da rivalidade envernizada.
O traço predominante na personalidade arrogante é a não conformidade. Usada com equilíbrio, é fonte de crescimento e progresso. Todavia, sob ação dos reflexos da posse e do interesse pessoal, que marcaram, acentuadamente, nossas reencarnações, esse traço atingiu o patamar de rebeldia e obstinação enfermiça.
A rebeldia tornou-se um condicionamento psicológico que dilata as ações da arrogância. Uma lente de aumento que decuplica e acelera as mutações da auto-suficiência.
Estudemos as atitudes pilares da arrogância sob as lentes da rebeldia.
A rigidez é a raiz das condutas autoritárias e da teimosia que, freqüentemente, deságuam nos comportamentos de intolerância. Sob ação da rebeldia, patrocina o desrespeito ao livre-arbítrio alheio e alimenta constantemente o melindre por a vida não ser como ele gostaria que fosse.
A competição não existe sem a comparação e o impulso de disputa. Quando tomado pela paixão, a força motriz de semelhante ação é o sentimento de inveja. Na mira da rebeldia, causa o menosprezo e a indiferença que tenta empanar o brilho de outrem. A competição é o alimento do sentimento de superioridade.
A imprudência é marcada pela ousadia transgressora que não teme e nem respeita os limites. Quase sempre, essa inquietude da alma alcança o perfeccionismo e a ansiedade que, freqüentemente, deságuam na necessidade de controle e domínio. Consubstanciam modos rebeldes de ser. Desejo de hegemonia. Sentimento de poder.
A prepotência é um efeito natural da perspicácia que pode insuflar a megalomania, a presunção. Juntos formam o piso da vaidade. A rebeldia, nesse passo, conduz a uma desmedida necessidade de fixar-se em certezas que adornam posturas de infalibilidade.
Conforme o temperamento e a história espiritual particular, a arrogância manifesta-se com maior ou menor ênfase em uma das quatro ações descritas, criando efeitos variados no comportamento. Apesar disso, a cadeia de reflexos íntimos é muito similar.
Egoísmo que na sua mutação transforma-se em arrogância; essa, por sua vez, deriva um cortejo de outros sentimentos sob ação do orgulho e da rebeldia.
A arrogância retira-nos o senso de realidade. Acreditamos mais naquilo que pensamos sobre o mundo e as pessoas do que naquilo que são realmente. Por essa razão, esse processo da vida mental consolida-se como piso de inumeráveis psicopatologias da classificação humana. A alteração da percepção do pensamento é o fator gerador dos mais severos transtornos psiquiátricos. São as manifestações enfermiças do eu na direção do narcisismo. Na rigidez, eu controlo. Na competição, eu sou maior. Na imprudência, eu quero. Na prepotência, eu posso. A arrogância pensa a vida e, ao pensá-la, afasta-nos dos nossos sentimentos.
Essa desconexão com a realidade estabelece a presença contínua das fantasias no funcionamento mental, isto é, a interpretação ou imagem desvirtuada que a pessoa alimenta acerca de fatos, pessoas e coisas. Nesse passo existem dois tipos psicológicos mais comuns. A arrogância voltada para o passado, quando há uma fixação em mágoas decorrentes da inaceitação de ocorrências que, na sua excessiva auto-valorização, o arrogante acredita não merecê-la. O outro tipo é a arrogância dirigida ao futuro, quando a criatura vive de ideais, no mundo das idéias, acreditando-se mais capaz e valorosa que realmente o é. Passível de realizar grandes e importantes missões. Tais deslocamentos da mente são formas de evadir de algo difícil de aceitar no presente. De alguma maneira, constituem mecanismos protetores, todavia, quando se prolongam demasiadamente, podem gerar enfermidades psíquicas. A depressão é resultado da arrogância voltada ao passado. E a psicose em relação ao futuro.
Interessante observar que uma das propriedades psicológicas doentias mais presentes na estrutura rebelde da arrogância é a incapacidade para percebê-la. O efeito mais habitual de sua ação na mente humana. Basta destacar que dificilmente aceitamos ser adjetivados de arrogantes. Entretanto, um estudo minucioso nos levará a concluir que, raríssimas vezes na Terra, encontraremos condutas livres dessa velha patologia moral.
Relacionemos outros efeitos dessa doença:
1- Perda do autodomínio.
2- Apego a convicções pessoais.
3- Gosto por julgar e rotular a conduta alheia.
4- Necessidade de exercício do poder.
5- Rejeição a críticas ou questionamentos.
6- Negação de sentimentos.
7- Ter resposta para tudo.
8- Desprezo aos esforços alheios.
9- Imponência nas expressões corporais.
10- Personalismo.
11- Auto-suficiência nas decisões.
12- Bloqueio na habilidade da empatia.
13- Incapacita para a alteridade.
14- Turva o afeto.
15- Acreditar que pode mais do que realmente é capaz.
16- Buscar mais de que necessita.
17- Querer ir além de seus limites.
18- Exigir mais do que consegue.
19- Sentir que somos especiais pelo bem que fazemos.
20- Supor que temos a capacidade de dizer o que é certo e errado para os outros.
21- Sentir-se com direitos e qualidades em função do tempo de doutrina e da folha de serviços.
22- Acreditar que temos a melhor percepção sobre as responsabilidades que nos são entregues em nome do Cristo.
23- Julgar-se apto a conhecer o que se passa no íntimo de nosso próximo.
24- Desprezar o valor alheio.
A ausência de consciência sobre esse sentimento e suas manifestações de rebeldia tem sido responsável por inúmeros acidentes da vida interpessoal. Mesmo entre os seguidores das orientações do Evangelho, solapam as mais caras afeições, levando muita vez a tomar os amigos como autênticos adversários.
Ter autoconsciência é uma das habilidades da inteligência emocional. Saber dar nome aos nossos sentimentos é fundamental no processo de crescimento e reforma interior. A arrogância que costumamos rejeitar como característica de nossa personalidade é responsável por uma dinâmica metamorfose dos sentimentos.
A ignorância de seus efeitos em nossa vida é explorada pelos gênios astutos da perversidade no planeta.
Do livro: ESCUTANDO SENTIMENTOS – a atitude de amar-nos como merecemos.
Wanderley de Oliveira/Ermance Dufaux Tags: Dufaux, Ermance